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Solidariedade move voluntariado no Brasil

Por Aurea Santos


A solidariedade é o principal fator que leva os brasileiros a se envolverem com o trabalho voluntário. É o que revelou a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, que analisa dados sobre o trabalho voluntário no país desde 2011 até o ano passado. Na pesquisa, 74% dos respondentes apontaram a solidariedade como motivo para realizar a atividade voluntária.

O levantamento mostrou ainda que 47% das pessoas que atuam com voluntariado o fazem em instituições religiosas, e que o trabalho voluntário dessas instituições é considerado como o mais confiável por 58% dos respondentes.

Realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) e pelo Instituto Datafolha, a pesquisa teve o ex-rotaractiano Felipe Pimenta de Souza* como um de seus consultores. Atualmente vivendo na França, Felipe já participou do intercâmbio de jovens do Rotary, Interact, Rotex, Rotaract e, hoje, participa como convidado de reuniões do Rotary E-Club de Paris.

Em entrevista ao blog Vozes do Rotary, Felipe comenta as principais descobertas da pesquisa e destaca que o voluntariado é uma prática cidadã que permite mudar as condições das realidades de uma pessoa, de um bairro ou de uma comunidade.

Ele aponta que é importante lembrar que o voluntariado vai além de ajudar uma pessoa ou outra, podendo trazer grande impacto para um maior número de pessoas.

“O que eu acredito que a pesquisa traz é que, por mais que exista um conceito positivo em doar tempo, a gente pode doar tempo em questões super estratégicas. Um voluntário pode trazer uma conferência para sua comunidade, ou fazer um mutirão, coisas muito maiores.”

A pesquisa entrevistou 2.086 pessoas com 16 anos ou mais em oito capitais brasileiras.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:


A pesquisa mostrou que 56% dos brasileiros já realizaram alguma atividade voluntária, sendo que esse número era de 25% em 2011. A que você atribui esse aumento?

Tivemos nos últimos anos um avanço muito grande das comunicações em geral. A população brasileira consegue acessar a internet mais facilmente pelo celular e pelo computador. O que pudemos observar pela pesquisa é que 47% passaram a realizar mais atividades voluntárias durante a pandemia, por exemplo. Então, vemos que as pessoas em suas casas foram buscar um outro sentido para dedicar o tempo delas.

Além disso, durante a década passada grandes eventos aconteceram no país, mobilizando grande número de voluntários, tanto na Copa do Mundo, nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos e em eventos religiosos, como na visita do Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude. Mesmo em tragédias, como no caso de Mariana e Brumadinho, há envolvimento da sociedade nessas causas.

As empresas também desempenham papel importante. Na pesquisa, identificamos que 10% dos voluntários atuam por empresas nas quais trabalham. Isso representa quase seis milhões de pessoas.

Portanto, é uma série de fatores que explicam por que esse número mais que dobra, passando de 25% para 56% da população.


Entre os pesquisados, 88% acham que a atividade voluntária contribui para uma cultura de paz e colaboração para o bem comum. O que isso significa?

Quando fazemos a pergunta sobre a cultura de paz, queremos saber da pessoa: se você fizer atividade voluntária, você acredita que isso vai te possibilitar prevenir e resolver conflitos de forma não-violenta? Porque esse também é um dos objetivos sociais de conhecermos uma nova realidade, eu me colocar no lugar do outro e entender suas dificuldades.

Um assunto que está se falando muito, por exemplo, é a questão dos povos originários. Se você for em uma terra indígena e entender o seu ponto de vista, você também está contribuindo para uma cultura de paz.

Justamente a solidariedade, que foi indicada por 74% dos entrevistados como fator para realizar atividades voluntarias, é um dos princípios para gerar a cultura de paz.


Enquanto 95% dos voluntários fazem doações de objetos, alimentos, roupas e brinquedos, apenas 50% doam dinheiro. Isso se deve a questões financeiras ou falta encontrar organizações de confiança para receber essas doações?

O que a gente percebe é que o Brasil não tem uma cultura de doação. E o que isso significa? Por mais que as pessoas doem roupas ou dinheiro, se a situação apertar, como essa crise econômica que está acontecendo, elas também vão diminuir esse recurso.

Dados de outras pesquisas recentes, como o World Giving Index 2021, estudo global da britânica Charities Aid Foundation (CAF), que no Brasil é realizado pelo IDIS, um dos realizadores da Pesquisa 2021, demonstra que o Brasil ficou em 54º lugar entre 114 nações.

A Pesquisa Doação Brasil 2020, que também foi realizada pelo IDIS, com foco em doação individual, indica que mesmo com queda nos índices de doação, há uma tendência de amadurecimento da sociedade, pois 80% dos entrevistados concordam que o ato de doar faz a diferença.

Se num primeiro momento pode parecer que ainda falta muito para uma cultura de doação consolidada, já que “apenas” 50% dos voluntários doam dinheiro, muito foi feito nos últimos anos para chegar a tal patamar.


A pesquisa revela que 48% dos voluntários são da classe C, e que 39% ganham até dois salários mínimos. O que explica a adesão ao voluntariado dessa parcela da população que tem menor renda?

O que explica muito é a religião. Quando a gente vai segmentar por classe, a gente vê que pessoas que ganham até 3 ou 4 salários mínimos têm o fator religião, que pesa muito, facilitando (o envolvimento no trabalho voluntário).

Para aprofundar a análise, é necessário compreender o conceito sobre voluntariado. Quando as pessoas foram abordadas de forma aleatória para participar da pesquisa, indicamos o conceito de voluntariado como “serviço ou atividade voluntária é doar tempo e trabalho de maneira espontânea e sem remuneração para a comunidade, para projetos sociais, para programas assistenciais, para causas, para eventos e situações emergenciais”. Dessa forma, não é necessário renda para ser voluntário.

É importante destacar que o que motiva os voluntários é solidariedade, e a maior parte das ações não envolve doação, mas distribuição e mobilização de recursos (61%), apoio psicológico (8%), arrecadações (8%), atividades religiosas (5%). Novamente, para atuar dessa forma, não é necessário renda.


O principal motivo apontado pelos pesquisados para a realização de trabalho voluntário é a solidariedade. Há ainda outros fatores semelhantes, como dever de cidadania ou retribuir algo que recebeu. Como esse resultado pode ser avaliado?

A Pesquisa 2021 representa uma série histórica, isso significa que essa mesma pergunta já foi questionada no passado e temos como observar sua evolução.

Em 2011, 67% dos voluntários indicavam que “ser solidário e ajudar os outros” era uma das principais motivações, já em 2021, esse índice aumentou para 74%. Aliás, solidariedade é a única motivação que, comparada ao ano de 2011, aumentou.

Em 2011, 32% indicavam que realizavam atividades voluntárias para “fazer a diferença e melhorar o mundo”, em 2021 esse número caiu para 9%. Se em 2011 “motivações religiosas” representava 22%, em 2011 essa motivação passou para 11%. Portanto, solidariedade corresponde a um patamar de força motriz para os voluntários brasileiros.

Outros fatores que podem ajudar a explicar esse aumento é que a pesquisa foi realizada ainda em momento pandêmico e muitas pessoas podem se solidarizar com contextos pelos quais já passaram anteriormente.


As redes sociais (Facebook, Whatsapp e Instagram) são os principais meios usados pelos pesquisados para se informar sobre voluntariado. Você considera que haja informações de qualidade sobre o tema nas redes?

A pesquisa indica que 84% dos entrevistados costumam se informar sobre o trabalho voluntário. Dessas pessoas, 23% utilizam Facebook, 22% Instagram e 19% WhatsApp.

Percebemos que, apesar de as pessoas terem acesso (à informação sobre voluntariado nas redes sociais), é um acesso muito restrito. Se considerarmos plataformas ou sites de promoção ao voluntariado, apenas 16% conhecem alguma plataforma de promoção ao voluntariado.

Então, percebemos que a pessoa tem acesso, mas é um acesso muito restrito ao círculo que ela frequenta. Esse acesso existe, mas poderia ter um pouco mais de qualidade, incluindo informações sobre legislação, direitos e deveres, etc.


A pesquisa apontou que 95% das pessoas acreditam no trabalho das organizações e entidades que promovem o voluntariado. A que você atribui esse alto índice de credibilidade?

A gente pôde perceber que quando uma pessoa frequenta uma instituição, ela está sabendo da seriedade e do compromisso dessa instituição. Porque se ela não visse esse comprometimento, ela não continuaria. Então, quando a pessoa fala dessa confiança é sobre o próprio trabalho que ela executa e, também, das pessoas ao redor. Esse é o índice de confiança que a gente pôde identificar.


Para 83% dos pesquisados, as situações humanitárias emergenciais influenciaram no aumento do engajamento dos brasileiros no trabalho voluntário. Isso nos diz que uma situação coletiva muito ruim mobiliza mais as pessoas?

Sim, é isso que esse dado aponta. Essa foi uma questão nova da pesquisa de 2021 e, infelizmente, nós temos passado por uma série crítica de acidentes ambientais, como Brumadinho e Mariana.

Questionamos os voluntários se eles acreditavam se tanto os grandes eventos como as situações emergenciais contribuíram, contribuíram um pouco ou não contribuíram para o engajamento voluntário no Brasil.

Em relação às situações emergenciais, para 83% dos voluntários as situações emergenciais ocorridas no Brasil influenciaram no aumento do engajamento dos brasileiros no trabalho voluntário.

Quando a gente fez essa pergunta era para entender se as pessoas, ao verem esse tipo de situação, se mobilizavam mais. E, sim, as pessoas se mobilizam. Quando a pessoas veem que tem toda uma situação emergencial e toda uma mobilização para o bem, as pessoas contribuem.

*Felipe Pimenta é mestre em Desenvolvimento Sustentável Territorial pelas Universidades de Pádua (Università Degli Studi di Padova, Itália), Universidade Católica de Lovaina (KU Leuven, Bélgica) e Universidade Paris-1 – Panthéon-Sorbonne (França) e é pós-graduado em Comércio Internacional pela FIA-USP (Fundação Instituto de Administração).

Ele também é associado honorário do Rotaract Club de São Paulo-Jaçanã (Distrito 4430, Brasil) e do Rotaract Club de Portoviejo San Gregorio (Distrito 4400, Equador).

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 foi coordenada por Silvia Naccache e também teve consultoria de Kelly Carmo. A pesquisa pode ser acessa no site www.pesquisavoluntariado.org.br

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